Quem quer um Estado laico coloca a mão aqui…

O Má me mandou uma notícia sobre um protesto ateu, em que todos os que desejassem poderiam ser desbatizados: Desbatismo coletivo. Como era de se esperar a caixa de comentários é um compendio de bobagens religiosas aleatórias (antes que alguém me acuse de ser intolerante: “bobagens” vem antes de “religiosas” por um motivo). Considerando as pautas do protesto (fim do ensino religioso em escolas públicas, o uso de recursos governamentais na visita do Papa e a existência de símbolos religiosos em órgãos oficiais), achei de bom gosto, pra não dizer necessário. O desbatismo coletivo me pareceu dispensável, além de tirar o foco da pauta. Mas oukei. Teve muita gente que achou ofensivo, provocativo. Olha, acho que era pra ser provocativo mesmo. Porque, veja bem, quem não é religioso e tem que aturar discursos religiosos “oficiais” já tá de saco cheio.

Eu não sou anti-religião, não penso “queimem todos”, nem nada do gênero. Agora, tratar a religião como algo sagrado (olha a minha visível contradição re-re) não funciona também. Achar que tudo o que o seu livro sagrado diz é puro ouro é perigoso; bom senso faz diferença nessas horas. Por exemplo, achar legal que Abraão tenho mandado embora o seu filho bastardo e a mãe dele por pedidos da sua mulher (que arrumou o rock’n roll todo) não é muito bom; não conheço manual moral atual que aceite esse tipo de comportamento. É aí que entra o bom senso, de separar o que pode te fazer bem, do que não. Claro que para um religioso praticante isso é uma baita heresia, ou como disse um conhecido: “não escolho no que creio”. É mentira, escolhe sim. Pela minha experiência com questões religiosas posso dizer que tudo o que se escolhe não acreditar se chama de “contexto histórico” (ah, mulheres não podiam falar em congregações? Contexto histórico!) e isso é ótimo porque permite que você leve uma vida razoavelmente normal. Eu só não entendo porque não ampliar o “contexto histórico” pra outras áreas.

Foco Mariana, FOCO.

Vi há alguns dias um vídeo da Marina Silva dizendo: Estado laico não é Estado ateu. Óbvio né? Só que não tanto assim. A Marina tem me decepcionado bastante ultimamente, porque ela tem colocado a sua religião acima de tudo. Me explico: A Marina não é burra e nem nada, ela sabe que pra um Estado ser religioso ele não precisa carregar esse estigma, ele só precisa ser um Estado laico moral. E qual é o problema com um Estado moral?

Calma, me explico: a moral é transitória, cultural, inflexível e SEMPRE religiosa. Em geral as pessoas não tem muito claro a diferença entre moralidade e ética: a moralidade muda de sociedade para sociedade e é moldada principalmente pelos princípios religiosos vigentes; já a ética é uma reflexão continua sobre basicamente tudo, levando em consideração os prós e contras e o conhecimento produzido. A moral tem seu foco no individuo, nas suas crenças, nos seus valores. O foco da ética é o outro. É uma mudança gigantesca de perspectiva. Um exemplo claro e atual é a maneira como a sociedade encara a homossexualidade, se o Império Romano não tivesse se tornado cristão a homossexualidade seria encarada com normalidade, porque essa era a prática romana (e grega). O preconceito judeu, através do cristianismo, f* com tudo. É só por isso que você acha estranho, nojento, errado. Isso é moral. Considerar que existem evidências de homossexualidade em todos os animais, e as circunstâncias de sofrimento que o preconceito causa é ética. Deu pra entender a diferença?

Moral e religião são indissociáveis. E a Marina sabe disso, é por isso que ela não se importa em ter um Estado laico, ele só precisa ser moral. Um Estado moral não aceita aborto, não aceita homossexuais, não aceita que a prostituição seja legalizada, nem drogas (gente, até o FERNANDO HENRIQUE já mudou de opinião, sinais!); porque é errado e pronto. Não importa o quanto essas mudanças poderiam melhorar a qualidade de vida de todas essas pessoas, e que experiências em outros países tenham se mostrado promissoras. O que importa é que nós aprendemos toda a vida que tudo isso é errado, feio e pronto! Então, um Estado laico é um Estado ateu? Nananana… Um Estado ateu era a União Soviética, compreende? Um Estado pra efetivar a sua laicidade precisa ser amoral (não imoral), e precisa ser ético. Trocando em miúdos, precisa deixar de lado preconceitos religiosos e se focar no bem estar de TODOS os seus cidadãos.

E que Estado laico é esse Brasil? Que Estado laico quer obrigar uma mulher vítima de violência sexual a manter uma possível gravidez? Que Estado laico paga para um chefe religioso visitar o seu país? Que Estado laico tem o Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos? Alguém tá sendo trollado..

A minha mais recente preocupação à esse respeito são as escolas, por causa da minha filha. Fazer as pessoas entenderem porque a escola tem que ser laica é um parto. A Alice tem um ano e oito meses e já sofre (sim, sofre) doutrinação religiosa. Na escolinha, eles fazem oração pra comer (que eu resolvi ignorar, pra não ser chata), e mais recentemente (e preocupante) o Brincando nas férias: A Arca de Noé. Eu, ingênua, e o Mateus, ingênuo, perguntamos se tinha caráter religioso (boa fé gente, boa fé!): “não, é só porque eles podem aprender sobre os animais”; ahhhhh, então tá, escolha de tema ligeiramente peculiar, mas tá. Primeiro dia, a Alice volta com um pequeno bilhete e bombom. Conteúdo do bilhete: um versículo bíblico seguido de “aprendemos a obedecer”. E só piorou: nos dias seguintes as mensagens foram: versículo seguindo de “Aprendemos a acreditar”, “Aprendemos que Deus nos ama”, “Aprendemos que a confiar que Deus cuida de nós”. Profe, deus não te ensinou que mentir é feio?

Considerações sobre laicidade na escola (desconsiderando as de cunho religioso, como a rede La Salle): as crianças que frequentam a escola e os seus pais têm visões religiosas e de mundo diferentes, por isso é importante que a escola se mantenha neutra no que se refere à questões religiosas e principalmente à doutrinação. “Ah, mas é ecumênico, é de todas as religiões”, que burro, dá zero pra ele! Experimenta falar pra um judeu ortodoxo “é tudo igual” ver o que ele acha. Só a palavra “Deus” exclui um porção de religiões que são politeístas ou que não tem a figura de um deus, e é claro a descrença em deus. Quando as crianças fazem orações pra agradecer ao papai do céu pelo alimento, elas estão excluindo todas as religiões que não são cristãs; afinal a ideia de que Deus é pai surgiu e se restringe, até aonde eu sei, ao cristianismo. Isso pra ficar no argumento mais básico.

Às vezes, por conta disso, alguém me questiona se eu não estou impondo a minha visão de mundo à Alice. Peraí, você não manda o seu filho pra catequese/escola dominical? Tem gente que corta o prepúcio de meninos de 8 dias por motivos religiosos; tem quem dê alucinógenos pra crianças pequenas (e nesses casos, foda-se liberdade religiosa, tem que proteger essas crianças ô Estado)! Mas eu não posso querer proteger a minha filha de um ano e oito meses de doutrinação religiosa, é isso?

Resumindo, tem muita gente precisando se informar…

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